quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Parafuso 7

Conhecendo como conhecia de cor a cabeça de Dassilva, assim como as de praticamente todos os moços de S. Pedro que no despertar da comichão na zona púbica começavam a dar mais atenção às imagens das revistas coloridas escondidas entre os jornais diários do que às tiras de Agentes Secretos X9, Fantasmas e Doutores Kildaires, e sabendo que os Vilhenas eram as publicações que ficavam no meio do Primeiro de Janeiro quando a rapaziada estudava vagarosamente o jornal enquanto aguardava impacientemente a vez de ser tesourada, o Sr. Fragulho não pôde deixar de reparar no súbito desabrochar do rapaz, que para além de começar a ganhar pêlos por tudo quanto era canto do crânio passou a ser um dos clientes mais assíduos da barbearia e sempre o único a acabar as palavras cruzadas sem copiar pelas soluções.

Um pormenor despertou a curiosidade de Fragulho: o rapaz começou a tirar o seu novo par óculos e a guardá-los religiosamente no cantinho da estante onde se perfilavam as estatuetas de um cagão das Caldas, um S. João com a auréola partida e uma peça em verde fosforescente, à primeira vista uma Nossa Senhora de Fátima mas mais a pormenor uma espécie de híbrido entre uma matrioska e um Buda, e não quis interrogar Dassilva sobre a razão de pousar os óculos para se entreter com a leitura e a escrita partindo do princípio se destinariam a ver melhor ao longe, preferindo perguntar-lhe em que capítulo estava na leitura do “Uma família Inglesa”, que sabia ser o seu livro de cabeceira desde os dois cortes de cabelo anteriores.

Fragulho falava frequentemente e com natural orgulho na sua sobrinha Noeminha, mas quando Dassilva estava presente referia-se mais aos atributos físicos da menina, “passou a usar o cabelo em carrapito”, “a madrinha ofereceu-lhe uns brincos e um colar que lhe ficam a matar com o coletinho que a mãe lhe mandou fazer àquela costureira mamalhuda da mercearia do França”, “comprou uma bata na Praça dos Leões daquelas que os médicos usam sem roupa nenhuma por baixo”…, e menos à sua vocação de enfermeira e ao brilho com que singrava no curso, frases nitidamente destinadas a baralhar a líbido de Dassilva que, no meio de um sinónimo de “atordoar” à mistura com o desenho dos mamilos exageradamente erectos de uma “República” das do Vilhena lá lhe ia desviando a conversa, falando do Manuel Quintino e da coincidência do 1º de Abril ter calhado a um domingo “como vai ser este ano” e da beleza do areal de Quebrantões “que não hei-de morrer sem lá ir nem que seja a nado”, frases que Fragullho ripostava com “ sempre que cá vens é dia dos mentirosos, andas mas é a cortar o cabelo noutro lado e aqui é só para ler os Tintins” e “Quebrantões quebro-te eu essas trombas à navalhada se te enganas um milímetro que seja na risca ao lado que eu te fiz a semana passada”.

O mistério da posição dos óculos, sempre cuidadosamente encostados ao braço esquerdo do cagão cada vez que Dassilva entrava na barbearia e os colocava na estante adensava-se na cabeça do barbeiro, que resolveu ir ao armarito azul por baixo do calendário da Firestone e sacar da garrafita de “White Horse” que o irmão Tonho lhe tinha trazido de Hamburgo, regularmente atestada com bagaço de cereja, e oferecer a Dassilva “quero que se foda o Júlio Dinis e mais a puta da família inglesa, vais mas é tomar um capilé comigo que está na alturinha de termos uma conversa de homens”.

Que remédio aceitar, naquele final de manhã era o único cliente e quando espreitava o cantinho do dominó da mercearia do França bem ficava a ougar os capilés e os refrescos de groselha nas mesas enfumaradas de jogo, descuidou-se foi com a papelada que lhe caiu de dentro do jornal quando se levantou para pegar no copo que Fragulho lhe estendeu, revelando os decalques de anatomia feminina em papel vegetal juntamente com uma pequena fita métrica amarela, que durante meses sempre conseguiu esconder do barbeiro.

3 comentários:

Mário Monteiro disse...

boa, o melhor é cada um de nós ir escrevendo os seus artigos e no fim junta-se tudo com lógica, se é que a lógica serve para alguma coisa, para já vou juntar sequencialmente todos os artigos num documento do word para mais tarde reflectirmos sobre o que escrevemos.

Provavelmente fazemos uma reunião conjunta e se a Stairway puder aparecer, vinda lá das ilhas da bruma e se ainda por cima trouxer uma caixinha dos seus afamados biscoitos melhor.

Seabra disse...

Também já juntei todo em word, para ler com mais calma. O Parafuso não tem forçosamente que ser combinado pelos autores, embora gostasse de fazer a tal reunião. A ordem dos textos e outros pequenos acertos ou correcções poderá ser feita mais tarde, podemos usar emails para esse efeito. Quanto a cada um seguir a sua estória não vejo grande necessidade, dá-me ideia que depois vai soar a colagem de estórias desconexas, tanto que já meti o Fragulho e a Noémia ao barulho. Até ver só 3 escrevemos, para já acho que o melhor é ficar à espera de mais para tomar decisões, ainda só passaram 4 dias desde que isto começou. Abraço

Seabra disse...

PS: vou experimentar noutros computadores, mas no meu a faixa do makepovertyhistory não me está a deixar iniciar nem terminar sessão, tenho de entrar aqui pelo moreno.